sábado, 31 de janeiro de 2009

Ilha de Luanda

A Ilha de Luanda é uma faixa longa e estreita de terra paralela ao continente (a ligação com a capital é um pequeno aterro, na verdade), e tem a praia mais próxima para quem mora na parte velha da cidade. A água chega geladíssima, não importa o quão escaldante esteja o sol.




Foto: Fesa.org.br

Como a ilha só tem praticamente uma rua, todos os bares dão direto para a areia, o que ajudaria a criar uma segregação entre locais e estrangeiros. Apesar da sensação incômoda de entrada de serviço, não há por parte dos bares qualquer tentativa de exclusão. Os angolanos entram nas faixas dos bares tranquilamente, e se misturam com os gringos até torná-los o que são de verdade: minoria.

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Não me parece haver nenhuma tensão implícita nesse convívio: os angolanos são muito agradáveis, mesmo com os tugas (portugueses), e a ilha é um dos raros lugares onde se pode tirar fotos das pessoas sem muita resistência - o único risco é um pedido amigável de gasosa por uma boa pose, mas, na maioria dos casos, eles pedem que se volte a praia com uma cópia impressa.



Foto: angola.linda.googlepages.com

Só uma das costas da ilha é própria para o banho. A faixa de água que dá separa a ilha do continente, a Baía de Luanda, é muito poluída. Locais e colegas brasileiros garantem: encostou os pés ali, pegou cólera. Apesar disso, a Baía forma o principal cartão postal da cidade, moldura dos prédios que se erguem na avenida Marginal, alguns coloniais e outros com aquela cara de "moderno nos anos 50", com charme de antigo arranha-céu.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Na Feira do Benfica

Como durante a semana só há trabalho e as novidades vêm todas juntas no fim de semana, seguimos com as pílulas de domingo. Domingo de manhã, no caso, quando fui à Feira de Artesanato do Benfica.

O caminho me impressionou mais que o destino final: o Benfica fica no sul da cidade, onde hoje se desenvolve a nova Luanda. Mansões, condomínios, um shopping, grandes obras - enfim, a imponente cidade moderna, construída na velocidade que exige um processo de reerguimento do país.

Minha "impressão" não é exatamente positiva; é só mais um susto de semelhança com a Salvador despersonalizada que começa no Iguatemi, passa pela nova Paralela e termina no município vizinho de Lauro de Freitas.

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Na Feirinha, depois de um grande engarrafamento, pintura naïf não exatamente inspirada, certamente alguns níveis abaixo da encontrada no Pelourinho. Mas mal percebi e comprei duas telas, pintadas com areia colorida, que me saíram por US$ 40.

Meus colegas me disseram que paguei um bom preço, mas foi uma decisão precipitada. A feira é dividida em dois setores: essa área ao ar livre, onde estão as pinturas, e as barracas cobertas (precariamente). É lá que estão belíssimas esculturas feitas de madeira e ébano, de vários tamanhos e estilos - e não fotografáveis.

A mais bonita que vi era de um pescador, com uns 50 cm de altura, cheia de detalhes, que me trouxe mais uma vez o eco da Bahia. A estatueta podia ser um personagem de Jorge Amado. Ou talvez seja tudo um pré-banzo.

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Nessa área coberta, tudo era muito caro também, mas dava para ter levado uma lembrancinha se eu não tivesse sido imprudente e comprado as telas: só estava com US$ 50 no bolso e os US$ 10 restantes foram para um bubu que comprei no caminho. O bubu não caiu bem em mim. Fiquei gordo. Ao fundo, no foto abaixo, a praia da Ilha de Luanda, assunto do próximo post.

PS: As fotos estão sendo exibidas? Estou usando o PhotoBucket. Acesso o blog de dois computadores diferentes e só em um deles as fotos abrem. O tilt é do pc ou é coletivo?

domingo, 25 de janeiro de 2009

Bebidas e gasosas

A piada é pronta: um grupo de 18 brasileiros que trabalha com comunicação (jornalismo, publicidade, fotografia) aqui em Luanda mora em um casarão apelidado de "Bambi". O nome não tem nada a ver com a sexualidade de ninguém. É que os brasileiros pioneiros, quando chegaram aqui no finalzinho da Guerra Civil, se hospedaram inicialmente no Hotel Bambi, que hoje não existe mais. O casarão em que se instalaram em seguida herdou a marca: virou sinônimo de residência brazuca.

Além desta casa, há mais três ou quatro residências da galera de comunicação que veio trabalhar aqui - na maioria baianos, pernambucanos e paulistas -, mas o Bambi ainda é o principal ponto de encontro, e o maior. Ontem fui pela primeira vez lá e conheci muita gente, incluindo a aniversariante, Paula (acho que é de Pernambuco).

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Mesmo com tanto brasileiro junto, ver Skol, Brahma ou Antarctica é muito difícil. As cervejas mais comuns são Heineken e Carlsberg, além das portuguesas Superbock e Cristal. As cervejarias nacionais também são fáceis de encontrar: Eka e Cuca (com seu inacreditável vidro de xarope) dominam o mercado.

Já o ramo dos refrigerantes é dominado pela Coca-Cola, com leves alterações locais. A latinha tem 330 ml, em vez dos 350 ml do Brasil. Isso torna a garrafa retornável mais em conta: é mais barata e tem 350 ml, contra 290 ml da especificação brasileira. Não sei se há em outros países, mas é bem comum aqui encontrar Fanta Abacaxi, ou Ananás, como preferem os locais.

Aliás, os angolanos não falam refrigerante, e sim "gasosa". A palavra também é sinônimo de corrupção. Toda vez que é preciso pagar qualquer tipo de propina, seja para se livrar de uma blitz ou guardar o carro próximo a um bar, a parte que recebe o dinheiro pede um agrado para a gasosa.

No caso da polícia, o refrigerante pode custar até 100 dólares, como testemunhei hoje. Ia de carona até a feira de artesanato do Benfica (detalhes no próximo post) quando os colegas brasileiros viram o carro de um dos residentes do Bambi parado na direção contrária. Se quando se está com a razao já é difícil negociar, quando se está errado é impossível. O motorista esqueceu os documentos em casa e só conseguiu se livrar da blitz embolsando 8 mil kwanzas (1 dólar = 74 kwanzas) para a gasosa do policial.

sábado, 24 de janeiro de 2009

No Roque Santeiro

Na manhã deste sábado (Luanda fica quatro horas à frente do Brasil) fui com dois colegas brasileiros e um angolano ao Mercado de Roque Santeiro, que tem a fama de ser o maior do mundo: são 500 campos de futebol numa área de um quilômetro de comprimento por 500 metros de largura, que abriga 5 mil vendedores. A quantidade de dinheiro movimentado na feira diariamente chega a US$ 10 milhões. EDITADO: pensando bem, o número parece exagerado. Fonte.




A infra é mínima: em todas as "lojas" o chão é o barro nu e o máximo de cobertura são gastas telhas de zinco, ou, mais comumente, lona. Obviamente, vende-se de tudo: logo na chegada, passamos por gêneros alimentícios, de vegetais comercializados diretamente sobre panos, no chão, a enlatados, caldo de carne, maionese e alimentos prontos, principalmente banana da terra na grelha.

Mais pra dentro, uma muito variada feira de tecidos com motivos africanos, que são chamados de "macaca", a maioria importados da Costa do Marfim. Depois chegam as roupas - bermudas, cuecas, calças, saias, blusas e calçados - do tênis gangsta ao all-star. O bacana são os bubus (as batas tradicionais, feitas com as macacas), mas o mais surpreendente é encontrar vestidos de noite e ternos completos.

Os colegas brasileiros decidem comprar bermudas, e param num rasta que tem roupas com motivos do exército, camufladas, e camisetas de Bob Marley. Bate o olho em um dos colegas e pergunta se ele é baiano, "da terra de Gilberto Gil". Com uma bata que vai da cabeça aos pés, óculos escuros e chinelo de couro, fuma um senhor cigarro de maconha, tão grosso quanto um charuto cubano.

Eles não levaram a bermuda (o rasta era careiro, e tudo aqui é na base da pechincha), e decidiram ver celulares: já estávamos na seção de informática, toda coberta de zinco, com teto baixo e extremamente apertada. Um forno microondas. Depois de muita conversa, um dos colegas leva um celular Nokia de última geração, vendido no Brasil a R$ 1,8 mil. Ele pagou US$ 120 - só conseguiu regatear US$ 10. Nem precisa comentar a variedade nesta seção eletrônica. Pode-se comprar desde pilhas a um notebook VAIO.




Daí chegamos à parte mais surpreendente. Se o Roque Santeiro é um grande shopping a céu aberto, não poderia faltar o cinema. O complexo tem duas salas, erguidas com madeira e restos de lona, e com capacidade para umas 50 pessoas cada. Em cartaz, Sete Vidas, com Will Smith, exibido em uma tv de 29 polegadas colocada numa mesa alta. O barracão é adequadamente escuro e os espectadores veem o filme em bancos de madeira sem encosto.

Já havia sido advertido de que, sem segurança e um apoio oficial, é impossível tirar fotos no mercado. Há casos de agressão a turistas e estrangeiros que tentaram registrar o local, e acabei sem imagens do Cine Roque. Apesar disso, o rótulo de antro da criminalidade me pareceu totalmente falso. Ao contrário do que acontece na Feira de São Joaquim, em Salvador, não fui abordado por nenhum espertinho querendo dar uma de cicerone, e nenhum punguista tentou me levar nada, nem a máquina que se destacava no bolso da bermuda.

No caminho de volta, para não passar em branco, fiz minhas compras. Uma escovinha de engraxar sapato, por 25 Kwanzas (1 dólar vale 74 Kwanzas) e um DVD de Desgraças da Vida, um dos raros filmes angolanos à venda entre blockbusters internacionais, thrillers de John Woo (todo o "catálogo" consiste em obras dele, como Bala na Cabeça e The Killer) e pornôs de todo o mundo.

Angola

Sem Kwanzas no bolso, acabei pagando cinco dólares pelo DVD de Desgraças da Vida (a sinopse da capa é sucinta: "Retrata a história de crianças acusadas de feitiçaria"), que custava somente 100 Kwanzas. Dei uma de turista e não pedi troco.

Angola Drops



Meu nome é Saymon Nascimento, 23 anos, itabunense radicado em Salvador, e desde a quarta-feira da semana passada, residente em Luanda, Angola. Vim trabalhar aqui com jornalismo digital, aŕea em que tenho experiência há dois anos. Vou registrar nesse espaço, sempre que possível, impressões sobre a vida do outro lado do Oceano Atlântico. Perdoem, antecipadamente, a qualidade das fotos: não apenas sou um péssimo fotógrafo, como há muita desconfiança com quem anda com máquina, e somos veemente desaconselhados a tirar fotos da cidade. Mas vou dar algum um jeito de ilustrar esse blog. Bem-vindos.

P.S.: Não sou blogueiro de primeira viagem. Já há algum tempo mantenho o Esperando Godard, sobre cinema. Apareçam lá também.