Na manhã deste sábado (Luanda fica quatro horas à frente do Brasil) fui com dois colegas brasileiros e um angolano ao Mercado de Roque Santeiro, que tem a fama de ser o maior do mundo: são 500 campos de futebol numa área de um quilômetro de comprimento por 500 metros de largura, que abriga 5 mil vendedores. A quantidade de dinheiro movimentado na feira diariamente chega a US$ 10 milhões. EDITADO: pensando bem, o número parece exagerado.
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A infra é mínima: em todas as "lojas" o chão é o barro nu e o máximo de cobertura são gastas telhas de zinco, ou, mais comumente, lona. Obviamente, vende-se de tudo: logo na chegada, passamos por gêneros alimentícios, de vegetais comercializados diretamente sobre panos, no chão, a enlatados, caldo de carne, maionese e alimentos prontos, principalmente banana da terra na grelha.
Mais pra dentro, uma muito variada feira de tecidos com motivos africanos, que são chamados de "macaca", a maioria importados da Costa do Marfim. Depois chegam as roupas - bermudas, cuecas, calças, saias, blusas e calçados - do tênis gangsta ao all-star. O bacana são os bubus (as batas tradicionais, feitas com as macacas), mas o mais surpreendente é encontrar vestidos de noite e ternos completos.
Os colegas brasileiros decidem comprar bermudas, e param num rasta que tem roupas com motivos do exército, camufladas, e camisetas de Bob Marley. Bate o olho em um dos colegas e pergunta se ele é baiano, "da terra de Gilberto Gil". Com uma bata que vai da cabeça aos pés, óculos escuros e chinelo de couro, fuma um senhor cigarro de maconha, tão grosso quanto um charuto cubano.
Eles não levaram a bermuda (o rasta era careiro, e tudo aqui é na base da pechincha), e decidiram ver celulares: já estávamos na seção de informática, toda coberta de zinco, com teto baixo e extremamente apertada. Um forno microondas. Depois de muita conversa, um dos colegas leva um celular Nokia de última geração, vendido no Brasil a R$ 1,8 mil. Ele pagou US$ 120 - só conseguiu regatear US$ 10. Nem precisa comentar a variedade nesta seção eletrônica. Pode-se comprar desde pilhas a um notebook VAIO.
Daí chegamos à parte mais surpreendente. Se o Roque Santeiro é um grande shopping a céu aberto, não poderia faltar o cinema. O complexo tem duas salas, erguidas com madeira e restos de lona, e com capacidade para umas 50 pessoas cada. Em cartaz, Sete Vidas, com Will Smith, exibido em uma tv de 29 polegadas colocada numa mesa alta. O barracão é adequadamente escuro e os espectadores veem o filme em bancos de madeira sem encosto.
Já havia sido advertido de que, sem segurança e um apoio oficial, é impossível tirar fotos no mercado. Há casos de agressão a turistas e estrangeiros que tentaram registrar o local, e acabei sem imagens do Cine Roque. Apesar disso, o rótulo de antro da criminalidade me pareceu totalmente falso. Ao contrário do que acontece na Feira de São Joaquim, em Salvador, não fui abordado por nenhum espertinho querendo dar uma de cicerone, e nenhum punguista tentou me levar nada, nem a máquina que se destacava no bolso da bermuda.
No caminho de volta, para não passar em branco, fiz minhas compras. Uma escovinha de engraxar sapato, por 25 Kwanzas (1 dólar vale 74 Kwanzas) e um DVD de Desgraças da Vida, um dos raros filmes angolanos à venda entre blockbusters internacionais, thrillers de John Woo (todo o "catálogo" consiste em obras dele, como Bala na Cabeça e The Killer) e pornôs de todo o mundo.
Sem Kwanzas no bolso, acabei pagando cinco dólares pelo DVD de Desgraças da Vida (a sinopse da capa é sucinta: "Retrata a história de crianças acusadas de feitiçaria"), que custava somente 100 Kwanzas. Dei uma de turista e não pedi troco.