segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Shopear

Tenho falado isso para amigos constantemente: Luanda é Salvador 50 anos antes. Claro que a frase é redutora, mas há alguns aspectos que confirmam essa ideia para mim. Por exemplo: só há um shopping center na cidade, de um andar só, e fica bem longe. Aqui no centro da cidade, o comércio é parecido com o que há na Avenida Sete e na Carlos Gomes, em Salvador - todo em lojas no térreo de prédios, com muitos ambulantes. Algumas dessas lojas evocam a Rua Chile antiga, como as boutiques de moda e as lojas de decoração. Uma delas se chama charmosamente "Casa Paris" - um "colosso", diria algum personagem de Jorge Amado.

Já o Belas Shopping é genérico como qualquer shopping. Fica distante da cidade velha o suficiente para não ter qualquer identidade, e abriga uma fauna de consumidores em grande parte estrangeiros, que fazem de suas instalações um country club do exílio.

A praça de alimentação fica logo na entrada principal, e tem pouca variação. Um grande restaurante a quilo com um número limitado de pratos. Quando fui lá comi feijão salgado com um peixe que não me lembro o nome, bem bom. Há também uma das duas sedes do Bob's. Eu fui na outra, na Ilha de Luanda, e é realmente o fast food mais lento que já vi. Os sanduíches parecem imitação do brasileiro, e não algo que segue um padrão - até o pão é diferente. Na praça de alimentação também há o único japonês de Angola (amigos veementemente me instaram a evitar) e um chinês, além de outros fast foods menores. O American Hot Dog tem um cachorro quente muito bom, ainda que caro.

Seguindo mais adiante, há o cinema, uma banca de revista e várias lojas variadas, mas não há âncoras por aqui. Comprei por pouco mais de dez dólares uma caixa de Sal de Eno, mas ainda não achei Magnésia Bisurada, a única coisa que cura minha azia de verdade.



O que mais digno de nota? Um estande de milk shake e casquinha do Bob's, bem mais rápido, uma livraria Nobel, fraquíssima, e o supermercado Shoprite, grande como o Extra. Lá tem tudo, e as coisas são bem mais baratas que no Jumbo, o supermercado que fica perto de casa. O Shoprite é o lugar menos country club do shopping, onde há mais angolanos, e onde se sente uma diferença de costumes mais acentuada. Um casal amigo se beijou na fila do caixa e causou espécie: dois senhores começaram a cochichar e encará-los, e ainda recriminou a caixa por dar conversa a "esses brasileiros".

Se a ausência de shoppings é o medidor do atraso de Luanda, eles estão tentando tirar a distância em padrão Kubitschek: pelo menos três centros comerciais devem ser inaugurados em breve, e um deles aqui perto de casa, num complexo que também inclui prédios empresariais, residenciais e hotel cinco estrelas, no mesmo estilo more-e-trabalhe-no-mesmo-lugar que tem se espalhado em Salvador. A parte boa é que o shopping deve ter quatro salas de cinema, o que me libera de viajar mais de uma hora para ficar atualizado dos últimos lançamentos.

Tenho ido ao cinema daqui, e é bem bom, melhor que os multiplexes de Salvador. O dono é Aquiles Mônaco, proprietário do Multiplex Iguatemi, e dos cinemas do Barra, Lapa, Ponto Alto, e sócio do UCI Aeroclube. Não deixa de ser cômico que as melhores poltronas e instalações estejam aqui, do outro lado do oceano. A programação, óbvio, não pode ser tão atualizada quanto a de Salvador, mas filmes de "prestígio" como Operação valquíria, Austrália, e Dúvida estrearam aqui antes. O Curioso Caso de Benjamin Button e Revolutionary Road estrearam junto com o lançamento brasileiro.Quanto à fama de que os angolanos ficam conversando no cinema, até agora não vi nada pior do que vejo em Salvador, mas isso talvez se deva ao fato de que não tenho ido assistir aos filmes mais populares.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Infra

Estou morando aqui em Angola há exatamente um mês. Peguei o voo da TAAG no Rio de Janeiro no dia 13 de janeiro e, ao contrário do que aconteceu com outros colegas, cheguei aqui são e salvo, sem nenhuma infeccção intestinal causada pelo rango que eles servem, e minha mala apareceu em menos de uma hora, intacta.

Num balanço desse primeiro mês, tenho de reconhecer que a sensação de bolha é meio que inevitável, ao menos em curto prazo. Fui a alguns lugares muito bons, mas somos de alguma maneira protegidos pela estrutura de acolhimento das empresas que contratam estrangeiros para que nos sintamos em casa, o que é muito bom. Por outro lado, isso sacrifica um pouco a experiência de "viver fora" de verdade, entre as pessoas.

Mas provavelmente estou sendo um pouco ingênuo em querer chegar a outro lugar e me misturar a ponto de me tornar indistinto dos locais. A melhor coisa é aceitar a condição de estrangeiro e viver assim do melhor jeito possível, e acho que estou conseguindo fazer isso. Só não quero ser um "turista acidental".

***

Desde que cheguei aqui, a última semana foi a mais caótica na minha relação com a cidade. Com a volta às aulas, finalmente percebi como isso aqui pode realmente parar de funcionar devido ao trânsito. Luanda tem um 5 milhões de habitantes, mas o centro daqui tem um tamanho proporcional a uma cidade de 500 mil habitantes.

Como o sistema de transporte coletivo está suspenso e todo mundo se desloca por meio das candongas (as peruas locais, no regime de salve-se quem puder, sem tarifas fixas e gente amontoada até que não caiba mais ninguém), o trânsito dá um nó nas vias principais do centro, todas estreitas, já que isso aqui é uma cidade colonial. E, claro, como não há táxis ou qualquer outra alternativa, os gringos e abastados todos andam de carro, o que faz com que o número de veículos rodando na cidade seja muito maior que o suportado.

Resultado: para quem mora em Luanda Sul e precisa se deslocar para o Centro para trabalhar, pode contar três horas perdidas por dia no congestionamento. Quem tem de se deslocar dentro do centro, como eu, perde menos tempo porque encontra trânsito livre à noite, mas não consegue se livrar de congestionamentos de até um hora para trechos percorríveis em 10 minutos durante o dia. Foi mais ou menos assim para mim essa semana: engarrafamento todo dia.

Como se esse estresse não fosse suficiente, as obras na cidade (inúmeras - Luanda é um canteiro) frequentemente derrubam água e energia elétrica, e vivemos à base do gerador e da bomba. Quando a gasolina do gerador acaba... Pelo menos há o consolo de que a cidade vai melhorar com tudo isso. Nesse um mês vi pequenas obras começarem e serem terminadas em ritmo relâmpago, e cada pequena intervenção dessas tem reflexo imediato da melhoria das condições de vida por aqui.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

km 30

No domingo anterior a este último, fomos a uma bela praia ao sul de Luanda, tão pouco badalada que seu nome é apenas Praia do km30. Não há restaurantes, água, geladeira, bares, energia, nada. O esquema é traga de casa: isopor, comida, cerveja. O máximo de luxo que se pode encontrar no local são as barraquinhas de palha construídas pelos moradores da comuna próxima, que servem como abrigo de todo o material que a gente compra no supermercado, e, eventualmente bom retiro para uma soneca.

Angola10

Tranquilidade é o que não falta: a não ser que o vizinho da barraca ao lado resolva encher o saco no funk (brasileiros...), a estadia é a melhor possível. A água não enfrenta a intensidade do Oceano Atlântico e é das mais calmas, devido ao bloqueio da ilha de Mussulo, que fica logo em frente e recebe todas as ondas. No km 30 a água é parada como a de um lago. A areia é lamacenta, já que a vegetação é de mangue, e os siris fazem a festa. Vida boa!

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Chicala e Elinga

No último sábado, à noite, fui a Chicala, no sul da Ilha de Luanda. A área é praticamente continente, já que a área que a separava da cidade já era bem estreita e foi aterrada. O chão ainda é de barro. Fui lá jantar numas barracas-restaurante - frequentadas sobretudo por locais, com um ou outro português - com a Juliana Borges (paulistana, trabalha aqui no Jornal de Economia) e Kota 50, um veterano fotógrafo mwangolé do jornal, no mercado desde que Angola era colônia.

Pedimos frutos do mar, que demoraram bastante. Primeiro veio o cachucho, um peixe delicioso, servido inteiro e assado, com molho de cebola, aipim e batata frita. Três pessoas comem bem, e já estávamos cheios quando chegou o chuco, uma lula local típica, servida frita com cebola e tomate, cortada em pedaços. O chuco é todo branco, e quem vê, até bem de perto, tem a impressão de que aquilo tudo é polpa de coco seco. Muito bom, e a conta veio muito barata. Mas nem precisei pagar, já que Kota 50 foi quem convidou, e os angolanos são bem formais em relação a isso. Convidou, pagou. Questão de hospitalidade.

Depois fomos ao Elinga, um prédio colonial bem interessante que será demolido para a construção de um empreendimento qualquer. A perda não será somente arquitetônica: no Elinga funciona um teatro bem bom (onde rolam peças e shows), e no salão interior há sempre exposições de arte. Na parte ao ar livre, um bar e dj. O local é frequentado pela galera "alternativa" da cidade, e, graças a Deus, isso não significa gente poser e afetada, como nessas festinhas de Salvador. Também não há bichos-grilos - apenas pessoas interessadas em curtir um lugar menos genérico que as casas noturnas da cidade, direcionadas ao público estrangeiro.

O Elinga estava bem cheio, já que o prazo para desocupação do prédio já se encerrava na segunda (mas as festas continuarão até o dia 15, fui informado por Lino, artista plástico filho de Kota 50 que esteve no Brasil recentemente). O momento mais bacana da noite foi quando o DJ pôs um remix de Billie Jean, de Michael Jackson, fortemente baseado na percussão. Depois que Caetano transformou essa música em bossa nova, os angolanos fizem dela um kuduro.

Fotos do Elinga no blog de Juliana Borges.