terça-feira, 31 de março de 2009

O recordista

Tem coisa que só acontece em Angola. Por exemplo: leio na Angop que no sábado morreu o homem mais velho do município de Londuimbali, a 90 quilômetros da cidade do Huambo. O camponês Abel Francisco, de acordo com familiares, teria 150 anos, já que nasceu em 17 de abril de 1859.

A Angop talvez não tenha notado, mas se a data for verdadeira, Abel seria a pessoa mais velha de todo o mundo em todos os tempos, e não apenas o idoso mais velho de Londuimbali. A pessoa mais velha a obter reconhecimento oficial da idade foi a francesa Jeanne Calment, que morreu em 1997 e chegou a conhecer Van Gogh. Ela chegou aos 122. Abel, seria, então 28 anos mais velho do que a recordista, um Usain Bolt da longevidade.

domingo, 29 de março de 2009

Um ou outro lugar para comer

A última semana aqui em Angola foi dominada por notícias de investimentos de multinacionais no país, como as portuguesas Sumol e Oni, os Correios da Tuga, e, principalmente, a Phillips – tudo na casa dos milhões ou bilhões de dólares. Brasileiros não precisam de tanto dinheiro para ter retorno garantido por aqui. Basta abrir um restaurante de comida brazuca, coisa que não há em Luanda mesmo com uma população estimada de 30 mil patrícios.

Luanda, ao todo, tem cinco milhões de habitantes, mas a variedade gastronômica deve ser pouco maior que a de Itabuna, ou, com sorte, igual a de Feira de Santana. Depois de uma breve temporada nas Ingombotas, estou morando no bairro do Alvalade, que concentra boa parte das representações diplomáticas estrangeiras. Fico pensando: o que toda essa gente come? Tudo bem que eles devem ter seus próprios cozinheiros e comidas importadas, mas e quando dá vontade de comer fora? E o monte de imigrantes dessa babel?

Nesse pouco tempo aqui, o melhor restaurante que conheci foi o Chez Wou, um chinês na Ilha, cuja área vai até a praia. A decoração é típica, mas não excessiva, mesmo que por fora o prédio lembre aqueles castelos medievais de filmes de kung fu. As garçonetes são todas chinesas, de Guangdong, e só arranham o português. Vez ou outra falam com os clientes em Cantonês, mas lembram imediatamente que não estamos entendendo nada. Comi carne de vaca com molho de ostras e lagosta, excelentes, e a conta veio bem mais barata do que poderíamos esperar. Com bebida e rolinhos, pouco mais de 30 dólares por pessoa.

Outro bom jantar foi no Broadway, um indiano tão confiante na própria breguice que o ambiente acaba funcionando. O restaurante imita a fachada de um teatro novaiorquino, e fica ao lado da Andy's, a principal loja de departamentos da cidade, que também tem arquitetura inspirada na Big Apple. O dono dos dois estabelecimentos, Andy, é uma figura.

Indiano, chegou em Angola há 30 anos sem um dólar no bolso, a caminho do antigo Zaire. A escala demorou três dias e ele teve de trabalhar para comer. Em pouco tempo virou dono do negócio, e hoje é dono de empresas na Índia e em Hong Kong, onde passa três quartos do ano: nos três meses restantes ele fica aqui, em Luanda. Apesar da notória riqueza, Andy recebe todos os clientes do restaurante e puxa assunto, bem falante. Em inglês, claro: mesmo com tanto tempo no país, ele mal fala português, assim como todos os garçons, também indianos. Andy merece um perfilzão, feito por João Moreira Salles.

Quando fui ao Broadway, a decoração ainda era típica do dia dos namorados (14 de fevereiro): almofadas vermelhas, cortinas estampadas com motivos românticos, como cupidos, e claro, um luminoso de coração na entrada, tirado diretamente dos cenários de Moulin Rouge. A decoração de Natal teve até boneco de neve, mesmo com 35 graus na rua. O ambiente pode ser excessivo, mas a comida é no ponto: jantei um carneiro ao curry sensacional, forte, mas não exageradamente picante. Trinta e poucos dólares por pessoa a conta.

Mais informal e descontraído é o árabe Al Dar, onde pode-se apenas lanchar ou almoçar de verdade. Em geral vou ao Al Dar no fim de tarde, comer um hamburger de chili com Guaraná Antarctica (um dos raros locais que têm guaraná). O shwarma é bom, mas os pratos mais tipicamente árabes, como esfiha e quibe, são apenas normais, inferiores aos Habib's de shopping. A porção do quibe, aliás, é bem cara: quatro bolinhos pequenos saem por 1,2 mil kwanza (17 dólares), contra 600 kwanza do hamburger que eu gosto. Os garçons são angolanos, mas na cozinha só há árabes, com cara de árabes, que conversam o tempo todo e riem alto, em árabe. Volto à gastronomia depois, quando conhecer outros lugares que não sejam o atroz Panela de Barro, opção a quilo mais perto daqui de casa...

terça-feira, 24 de março de 2009

FAIL?

>>> Começo a desconfiar da vida útil desse blog. Não por falta de coisas a ver e dizer sobre a vida de gringo em Angola, mas por uma rotina que não deixa muito espaço para essa observação, que considero primordial para a vida de estrangeiro. Sinto-me novamente como o turista acidental do filme, preso numa cadeia de ambientes com ar refrigerado: casa / carro / trabalho / carro / casa.

>>> Não era exatamente isso o que eu queria, mas talvez seja só banzo, coisa totalmente normal, colegas me dizem. Pensando bem, minha rotina nos últimos meses em Salvador não era muito diferente, com a ressalva que eu andava de buzu e tinha uma liberdade de movimentos na cidade proporcionada pelo meu próprio conhecimento de habitante, não nativo, mas radicado há algum tempo ali.

>>> Cinema me faz muita falta aqui. No último sábado, dei um extra pro motorista (que normalmente não trabalha fim de semana) e fui ao Bellas Shopping - muito longe - ver Milk. Bom filme. No caminho, mesmo dentro do ar, um momento interessante: o motô resolveu cortar caminho na Estrada da Samba passando por dentro de um bairro chamado Coreia. Sujeira e favela daqui têm dimensão assustadora para estrangeiros, mas não deixa de ser reconfortante passar por um pouco de vida real nessa cidade. Por outro lado, que frivolidade a minha: todo mundo merece esgoto tratado e ruas em boas condições.

>>> Coreia me lembrou o nome de algumas ruas de Salvador próximas à Estação Pirajá: rua do Afeganistão, da Indonésia, da Palestina e do Camboja, perfeita oposição às vias europeias do Comércio. Saudade de trabalhar na rua.

>>> Salvador, tô chegando! Se tudo der certo, embarco 13 de abril para 15 dias de férias. Talvez minha agonia se deva a isso: reencontro com família & amigos, promessas de festa já agendadas (moqueca de feijão na casa de Pamplona & Sombra vai rolar; nova reunião de chegada-despedida no Rio Vermelho; etc)... Ora de começar a pensar nos presentes, no cds de Tarrachinha de Nilson & Larissa, nos bubus para Camilla.

>>> No próximo post prometo evitar esse tom de descarrego. Não gosto de blogs-divã, e por isso vou manter vocês livres dessa chatice. Arrumo algo legal da cidade para mostrar aqui da próxima vez.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Mussulo

No último domingo fui a outra praia famosa de Angola, a Ilha do Mussulo. A 25 minutos de lancha da costa da capital, a ilha é mais um anteparo do continente em relação ao mar aberto. Do outro lado do Mussulo, sim, há Oceano Atlântico de verdade.

Com um grupo de colegas brasileiros, partimos bem cedo para não enfrentar engarrafamento, e na partida do barco encontramos mais colegas - pegamos o barco junto pelas almas calmas desse falso mar entre continente e ilha. Na prática, uma gigante lagoa de água salgada.

No local onde as lanchas aportam, um único bar, caríssimo, onde a cerveja bate nos dez dólares. O estabelecimento ocupa o melhor trecho de praia, e a areia é ocupada por guarda-sóis e espreguiçadores acolchoados - pagamento à parte, claro. E claro que o bar estava lotados de exilados branquelos e vermelhos, todos portugueses, aparentemente. (Trilha péssima, "You're Beautiful").

Ao lado desse trecho, algumas barraquinhas desocupadas, e a falsa informação de que a estadia ali era free. Mas logo o dono da barraca aparece e nos expulsa, já que havia combinado o aluguel a outro inquilino, que chega à praia na sua lancha particular.

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Lá vamos nós andando novamente, em direção ao outro lado, depois do bar chique. Encontramos abrigo em dois coqueiros anões, em frente a uma casa abandonada. Casa, vírgula. O local era um projeto de resort abortado, de donos chineses. Dois angolanos tomam conta do imóvel, e nos ajudam a comprar cerveja.

O almoço encomendamos de uma senhora nativa - arroz, batata frita e frango para
nove pessoas. Frango de quintal, criado solto. Quando fomos pagar a senhora (5,400 kwanza, uns 70 dólares, por aí), as irmãs da cozinheira - nativas também da mesma comunidade, de casas espalhadas sob a areia - conversavam sentadas no chão, embaixo de uma árvore, no meio da tarde, como se não houvesse amanhã. Pura paz.

Que vai logo embora tão logo entramos no barco: um grupo de libaneses nos acompanha em alta e divertida cantoria. Um colega português/angolano, intrigado, pergunta o que é o Habib que ouvimos toda hora. "Eu te amo". Pois é, no Brasil a gente mata a fome no Eu Te Amo's.

quarta-feira, 4 de março de 2009

É (foi) carnaval

Na prática, o carnaval aqui em Luanda dura apenas um dia, e consiste em desfiles de blocos em uma das principais avenidas da cidade, a Marginal. Depois de pequenos desfiles no domingo e na segunda, a rua é completamente interditada na terça para a passagem dos grupos principais, vindos de todo o país, somente para dançar num pequeno trecho de pista e mostrar animação frente aos políticos e redes de televisão.

Do mesmo jeito que em Salvador os trios guardam suas apostas de hit para os locais onde há cobertura televisiva, aqui é nítida a influência da presença das câmeras na animação. Os blocos são bonitos, mas também são "para inglês ver".

A música é quase um acidente. Não há performances ao vivo, nem tampouco trios elétricos. Cada grupo deixa o cd com suas músicas típicas na mesa de som, e elas são reproduzidas na avenida por um sistema de rádio-poste.

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Fotos de Manuela Cavadas, ex-colega de jornal e agora colega de apê

A população da cidade não entra na avenida, mas não há a presença selvagem da corda, nem a sensação de competição social entre bloco e pipoca, como em Salvador. As duas partes são a mesma coisa. Em ambas, pode-se respirar à vontade, já que a festa não atrai tanta gente. Enche, mas não lota.

Apesar da dimensão reduzida da folia, os angolanos que decidem aparecer ir à Marginal costumam usar fantasias - e mais uma vez tenho a referência de antigos carnavais brasileiros. Vale tudo. Desde máscaras compradas em armarinho até opções mais elaboradas.

Um colega brasileiro observou a grande quantidade de pessoas fantasiadas de feridos, com braços falsamente engessados, ou curativos no corpo todo. Alguns mais detalhistas incluíam cicatrizes na barriga, e facas enterradas na cabeça. Sinais de uma guerra civil não muito distante no tempo, com seus feridos e mutilados.

No dia de carnaval, por aqui, pode tudo: em dias normais é proibido andar sem camisa pela cidade, mas durante a folia um angolano sai andando completamente nu e a polícia não faz nada. No carnaval pode.