segunda-feira, 25 de maio de 2009

A cara da cidade

A coisa que mais gosto em Luanda são as placas das ruas e avenidas no centro da cidade - na verdade, caixas retangulares de concreto presas ao chão separadas da parede por duas hastes de metal. No retângulo, doze azulejos pintados dizem onde você está. Muito bacana. Os nomes das ruas quase sempre são emprestados de líderes de esquerda do mundo, como Allende e Che Guevara, ícones da cultura portuguesa, como Eça de Queirós, ou heróis da luta de independência angolana.

Rua2

Essas plaquinhas de azulejo são uma falsa promessa: apesar de quatro séculos de colonização portuguesa, Luanda não tem um centro histórico, justamente porque o centro foi modificado geração após geração, mas não abandonado. Somente agora, no século 21, o sul da cidade começa a crescer.

Rua1

Essa modificação constante da cidade anulou grande parte do possível interesse arquitetônico de Luanda, que hoje tem poucos prédios coloniais e, a partir da libertação de Portugal, foi reconfigurada segundo padrões estéticos pesados, quase soviéticos. A sensação ao andar por algumas ruas de Luanda é de que o arquiteto do campus de Ondina da UFBA passou umas férias por aqui nos anos 70.



Av. Combatentes (foto do Wikimedia)

Os prédios de cinco andares com cara de burocracia, entretanto, já estão enfrentando concorrência. Com o boom econômico pós-guerra, a cidade ganhou seus primeiros arranha-céus - ainda-tímidos, é verdade - e já foram contabilizados pelo menos 50 grandes edifícios, entre projetos comerciais e residenciais. É viver para ver se a Luanda de 2030 será uma nova Dubai ou terá alguma identidade própria.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

É feitiço

O assunto do dia entre os angolanos é o caso de um rapaz de 20 anos que estuprou a própria mãe, de 60. Não ouvi o noticiário na rádio - que ainda é o principal meio de informação no país - mas todos os locais por perto estão convencidos de que se trata de mais um caso de "feitiço".

Quando as coisas são absurdas demais, sempre há uma explicação esotérica. Nessa ocorrência em particular, o consenso é de que o jovem teria sido incitado por um curandeiro, a quem deve ter procurado em busca de uma solução rápida para ficar rico. Em casos de pacto, os feiticeiros sempre pedem uma ação violenta contra um membro da família, e aí sobrou pra mãe do rapaz ambicioso.

Essa ideia de "feitiço" é assustadora e amplamente difundida por aqui, mesmo entre as pessoas de melhor formação. No geral, a população teme com o diabo à cruz qualquer menção às religiões africanas. Falei sobre as estátuas dos orixás do Dique do Tororó ao motorista e às secretárias da primeira casa em que morei, e todos ficaram incomodados.

Eles não apenas não têm a menor ideia de quem são Oxalá, Iansã ou Ogum, mas mostram repúdio imediato à simples menção de tais entidades. Pudera: são todos frequentadores da Igreja Universal do Reino de Deus, que cresce por aqui em ritmo de galope, com a ajuda da Record Internacional exibida em rede aberta.

Até hoje não conheci nenhum angolano que pratique ou admita ser praticante de qualquer religião africana, tanto que, na minha ignorância, nem sei mesmo se os orixás famosos na Bahia têm alguma correspondência com os deuses daqui. Por enquanto, só tenho visto monoteísmo católico e protestante.

Os indistintos "feiticeiros" só aparecem no jornal e na boca do povo associados a notícias desse tipo, como vilões cruéis, ou então no lugar de dissidentes expurgados - já li mais de uma vez notícias sobre pessoas mortas apedrejadas pelos vizinhos, acusadas de feitiçaria.