sábado, 15 de agosto de 2009

Bazei

Bom, eu estava adiando isso, mas é hora de fazer o que eu já devia ter feito antes. Preciso acabar com esse blog. Admito meu fracasso dessa empreitada de mantê-lo, e principalmente, de gerar assuntos pra ele. Não estou com writer's block, ou nada do tipo, mas não tenho vivido uma existência aqui especialmente interessante, que permita escrever toda semana sobre algo bom de ler. Não que essas coisas não existam aqui, muito pelo contrário. Eu é que não tenho tempo pra isso com minha rotina de trabalho. Um abraço a todos vocês que acompanharam, e nos vemos na próxima. Eu continuo no Twitter e no meu blog de cinema. Quem quiser pode me adicionar no orkut e no facebook.

FIM

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Drops, agora sim

Um mês sem aparecer aqui, mas vocês não sabem da minha rotina. Uns drops angolanos para meus caros (e raros leitores):

* Houve caso de brasileiro que cortou cabelo aqui e ganhou de presente uma bactéria, que ficou alojada em seu crânio. Todo mundo fala de micoses, e do risco das giletes, etc. Como tento não ser turista acidental, resolvi ignorar as recomendações e fui a uma barbearia aqui perto, de congoleses francófonos. Nada anormal, tudo muito limpo, mas um detalhe é assustador: eles fazem o pé sem navalha. Prendem a lâmina entre o polegar e o indicador e você têm de entregar pra Deus. Fizeram dois caminhos de rato disfarçáveis e um pequeno corte na costeleta, mas já vi coisa pior em Salvador.

*Tô com gripe bem forte, dor de cabeça há uma semana. Alerta vermelho para malária, muito comum nessa época, mesmo nas áreas mais limpas de Luanda. Bom, fui fazer o teste, que sai em uma hora, e fiquei muito ansioso, mas deu negativo. De qualquer jeito, recomendam que o teste seja repetido caso os sintomas não passem. Continuo com todas as dores, mas ainda assim, não deve ser o paludismo: meu sistema digestivo continua intacto, e diarreia e vômitos são os principais indícios da doença. Mesmo assim, nada bacana ficar doente longe de casa. (PS. Já estou bem e não era malária).

*Desde setembro, ou outubro, ainda em Salvador, já não estava mais na reportagem. Fazia as matérias só quando queria, por fora do trabalho na edição do A Tarde On Line. Aqui também vim para trabalhar com edição de sites, e agora fui pra redação, mas editando. Dia desses fui pra rua fazer minha primeira entrevista em muito tempo, e o local foi um cinema desativado, usado agora como centro de convenções. O lugar é muito bonito, ainda mais por dentro. Por fora, o amarelo forte deixa claro que o prédio tem também sua identidade africana. Minha amiga Mary Weinstein ia adorar isso aqui.


*Pamplona chegou e eu já o fiz passar pela primeira roubada angolana. Ele não conhece a cidade e eu não sei dirigir. Fomos ao Belas Shopping na intuição, e, na volta, nos perdemos completamente. Entramos numa estradinha de terra com poeira lá em cima, na entrada pra Viana, bairro bem afastado do centro. À noite, com aquela névoa do barro levantado e o visual inóspito de prédios abandonados, nos sentimos em alguma cidade comunista abandonada, em Moldova, ou Belarus. Depois de muito rodar, saímos por acaso já bem perto de casa.

*Uma das coisas mais divertidas aqui é ver que não existem as manicures, e sim OS manicures. As mulheres fazem as unhas nas ruas, em banquinhas lotadas de esmaltes comandadas por homens, todos completamente seguros do que estão fazendo e nem um pouco próximos do clichê brasileiro de homens que trabalham em salão. Não, eles poderiam estar vendendo qualquer coisa, engraxando sapatos, mas fazem unhas. Não esperem esterilização.

*Acho que o próximo post, se houver, só na volta. Parto nesse fim de semana para mereceidas férias, e depois de mais 15 dias retorno a Luanda, se Deus quiser. Até lá.

sábado, 20 de junho de 2009

Cabo Ledo

Não bastasse minha inabilidade como fotógrafo, só tenho uma câmera de liquidação do Extra, que não faz justiça aos lugares e coisas lindas que tenho visto por aqui, quando me sobra tempo. Domingo passado estava bastante empolgado com o visual do Cabo Ledo, praia semideserta a 100 e poucos km a sul de Luanda. Tirei várias fotos, sai andando procurando ângulos bons, mas não houve jeito. O que vos apresento aqui está muito longe de revelar a beleza daquele lugar.

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Ponte sobre o rio Kwanza

Para bem aproveitar a praia e evitar os congestionamentos da volta para casa, partimos bem cedo de Luanda, numa carrinha (pick-up, no Brasil) da empresa. O carro que está lá em casa não aguenta a estrada, mas acho que teria chegado a Cabo Ledo sem problemas. Por mais que a recomendação geral seja de evitar sair da cidade com carros pequenos, a rodovia está em excelentes condições, e permite uma viagem tranquila. Bem melhor que a a BR-324, que liga Salvador a Feira de Santana, por exemplo.

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Céu de cara feia

Pois bem, chegamos a Cabo Ledo ainda cedo, mas estava meio desapontado no caminho com o tempo ruim anunciado pelo céu branco do cacimbo. Ao chegar à praia, no entanto, esse tipo de pensamento some logo, devido à beleza do lugar, uma enseada circundada por um muro de pedra, sem barulho, barracas de praia e poucos turistas, que trazem sua própria infra: sanduíches e bebidas no gelo.

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Uma pedra no meio do caminho

Logo me afastei do pessoal e saí andando pela praia, passando pelo corredor estreito de areia entre a água e as pedras, na maré baixa. Uma ou outra pessoa passava de vez em quando. Com o céu de cara fechada, vento frio e água gelada por entre os pés, não há como não sentir um pouco de melancolia.

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Pan do Cabo Ledo

Percorri um bom trecho se praia sem viva alma, até chegar a outro ponto de concentração de banhistas. Assim como no ponto de partida, quase nenhum angolano à vista. Nem brasileiros: pelo que ouvi, todos falavam com sotaque português, uns outros se comunicavam em francês. E um grupo de japoneses, claro, tirava fotos. Todos vestidos.

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Esses incríveis japas e suas máquinas maravilhosas

De volta ao local onde chegamos, fui um dos poucos a encarar a água gelada. No mar, além de mim, só os surfistas. Sem nenhuma ilha na frente do litoral -como acontece em Luanda-, a praia do Cabo Ledo recebe o Oceano Atlântico de frente, sem anteparos, e pela primeira vez vi ondas por aqui. Não é nada de nível Pipeline, mas os surfistas pareciam divertir-se.

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Surfin' in Angola

Quando já estávamos de saída, lá perto das 14h, o sol resolveu romper a bolha branca do cacimbo e apareceu, meio tímido. Pensando bem, nem fez falta. Mais fotos (ruins) no meu álbum no orkut.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Blogger's block

Na minha primeira temporada em Angola o banzo demorou mais para chegar. Só que dessa vez estou praticamente sozinho há um mês numa casa de seis quartos, com um carro na garagem que não sei dirigir (não dirijo nenhum carro, na verdade), roteiro casa-trabalho no loop e fins de semana de silêncio sepulcral, que tento romper saindo a pé pela cidade até cansar as pernas e ficar todo suado. Falta de transporte público, ou mesmo de táxis, é realmente uma tragédia.

A boa notícia é que, ao menos por enquanto, estou fora da minha sala vazia e fui trabalhar na redação, com outras 20 pessoas - e eu sou o único brasileiro. Claro que vou levar um tempinho para me adaptar, mas meu problema nunca foi dificuldade de fazer amizades. O problema é fazer amigos que morem perto de casa, já que eu tenho limitações de movimento.

Mas vejam como são as coisas: quem está de malas prontas para vir trabalhar aqui em Luanda é Vitor Pamplona, que foi meu colega de turma na Facom e de mais dois empregos e do Nacocó, el editor do abandonado e sensacional blog Hora Prima e é o marido da minha querida amiga Emanuella Sombra.

Os dois eram o casal 20 da Facom e passaram a ser do A Tarde também, e, esperamos, devem ser em breve o casal 20 de Angola. Bem-vindo, Vitor. E bem-vinda, Manu, quando quer que você venha - e vai ser em breve, tenha fé. (Vitor deve morar a 40 minutos de caminhada daqui, acho)

***

Fora isso, Luanda entrou no cacimbo, a estação "fria" da África austral. Na prática, não é fria de verdade. O sol apenas fica escondido por uma tela branca que cobre o céu, como se estivéssemos em São Paulo - só que as nuvens não têm nada a ver com poluição. No interior do país, baixa a névoa mesmo.

A cidade me parece mais seca, também: andei hoje pelas ruas próximas ao jornal à procura de um restaurante e quando voltei podia jurar que uma criança travessa teria condições de rabiscar "me lave" com os dedos na minha testa. Quanta poeira.

***

Pois é: inspiração para escrever é uma questão de ter o que falar, e é por isso que esse blog anda desatualizado. Não quero encher ninguém com as crônicas do meu teto imóvel, mas, mais uma vez, acho que vocês podem acompanhar algo mais interessante. O jornalista João Fellet, que trabalhou no mesmo jornal onde estou agora, segue sua viagem Joanesburgo-Cairo sobre rodas, e já está lá no Egito. O blog dessa viagem é sensacional, justamente porque Fellet está vendo e descobrindo coisas incríveis - e jornalista talentoso que é, sabe falar escrever sobre isso tudo muito bem. Leia o Candongueiro.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

A cara da cidade

A coisa que mais gosto em Luanda são as placas das ruas e avenidas no centro da cidade - na verdade, caixas retangulares de concreto presas ao chão separadas da parede por duas hastes de metal. No retângulo, doze azulejos pintados dizem onde você está. Muito bacana. Os nomes das ruas quase sempre são emprestados de líderes de esquerda do mundo, como Allende e Che Guevara, ícones da cultura portuguesa, como Eça de Queirós, ou heróis da luta de independência angolana.

Rua2

Essas plaquinhas de azulejo são uma falsa promessa: apesar de quatro séculos de colonização portuguesa, Luanda não tem um centro histórico, justamente porque o centro foi modificado geração após geração, mas não abandonado. Somente agora, no século 21, o sul da cidade começa a crescer.

Rua1

Essa modificação constante da cidade anulou grande parte do possível interesse arquitetônico de Luanda, que hoje tem poucos prédios coloniais e, a partir da libertação de Portugal, foi reconfigurada segundo padrões estéticos pesados, quase soviéticos. A sensação ao andar por algumas ruas de Luanda é de que o arquiteto do campus de Ondina da UFBA passou umas férias por aqui nos anos 70.



Av. Combatentes (foto do Wikimedia)

Os prédios de cinco andares com cara de burocracia, entretanto, já estão enfrentando concorrência. Com o boom econômico pós-guerra, a cidade ganhou seus primeiros arranha-céus - ainda-tímidos, é verdade - e já foram contabilizados pelo menos 50 grandes edifícios, entre projetos comerciais e residenciais. É viver para ver se a Luanda de 2030 será uma nova Dubai ou terá alguma identidade própria.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

É feitiço

O assunto do dia entre os angolanos é o caso de um rapaz de 20 anos que estuprou a própria mãe, de 60. Não ouvi o noticiário na rádio - que ainda é o principal meio de informação no país - mas todos os locais por perto estão convencidos de que se trata de mais um caso de "feitiço".

Quando as coisas são absurdas demais, sempre há uma explicação esotérica. Nessa ocorrência em particular, o consenso é de que o jovem teria sido incitado por um curandeiro, a quem deve ter procurado em busca de uma solução rápida para ficar rico. Em casos de pacto, os feiticeiros sempre pedem uma ação violenta contra um membro da família, e aí sobrou pra mãe do rapaz ambicioso.

Essa ideia de "feitiço" é assustadora e amplamente difundida por aqui, mesmo entre as pessoas de melhor formação. No geral, a população teme com o diabo à cruz qualquer menção às religiões africanas. Falei sobre as estátuas dos orixás do Dique do Tororó ao motorista e às secretárias da primeira casa em que morei, e todos ficaram incomodados.

Eles não apenas não têm a menor ideia de quem são Oxalá, Iansã ou Ogum, mas mostram repúdio imediato à simples menção de tais entidades. Pudera: são todos frequentadores da Igreja Universal do Reino de Deus, que cresce por aqui em ritmo de galope, com a ajuda da Record Internacional exibida em rede aberta.

Até hoje não conheci nenhum angolano que pratique ou admita ser praticante de qualquer religião africana, tanto que, na minha ignorância, nem sei mesmo se os orixás famosos na Bahia têm alguma correspondência com os deuses daqui. Por enquanto, só tenho visto monoteísmo católico e protestante.

Os indistintos "feiticeiros" só aparecem no jornal e na boca do povo associados a notícias desse tipo, como vilões cruéis, ou então no lugar de dissidentes expurgados - já li mais de uma vez notícias sobre pessoas mortas apedrejadas pelos vizinhos, acusadas de feitiçaria.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

AngolaS2E1

Já estou de volta a Angola depois de 17 dias de merecidas e revigorantes férias, que me deixaram bem mais disposto para encarar outra temporada de três meses por aqui, mesmo com todos os problemas que enfrentamos. O primeiro desses problemas, claro, se chama TAAG. Três horas de atraso para embarque no Galeão, uma corrente de ar em cima da minha poltrona, e pior, uma insistente goteira. Aparentemente, estava chovendo sobre as nuvens. Diante da minha queixa, a aeromoça (bondade minha) disse que não se preocupasse, que depois parava de pingar. Parou no meio de voo e voltou quando estávamos aterrissando.

Aterrissagem que deu susto, aliás. O piloto deve ter pousado com uma inclinação, que sentimos um dos lados tocar o chão primeiro: luzes apagam por um segundo com a operação brusca e vários bagageiros se abrem, vomitando compras de freeshop de brasileiros e angolanos (mais brasileiros, bem mais). Esse avião que me trouxe até Luanda, há pouco mais de um mês, teve de fazer um pouso de emergência após uma turbina pegar fogo.

Enfim, nada demais - apenas o tipo de besteira de que nós exilados gostamos de reclamar, mesmo conscientes das causas do atraso geral dessa terra. Não escute nossas chatices: Angola é legal, impressão que me veio hoje bem forte ao sair do aeroporto e rever essa semi-Feira de Santana gigantesca, cosmopolita e engraçada. Cidade viva.

sábado, 11 de abril de 2009

Fim da primeira temporada

Bom, com este post encerro a primeira temporada desse blog. Clico em Publicar Postagem e vou arrumar a mala para viajar amanhã de manhã rumo a Salvador e outros lugares. Volto dia 26, se Deus quiser.

Enquanto estou fora, deixo uma relação de links de outros blogs sobre Angola. Já deveria ter arrumado o template disso aqui com blogroll, mas tenho sido negligente, sem contar com a falta de tempo (que também não me permite sair do lugar-comum nos textos).

Enfim, seguem os links então:

Angola em Fotos (flog de um fotógrafo corajoso - a polícia e as pessoas não são muito amigáveis a quem porta câmera por aqui; não sei o nome do dono, não consta no endereço).

Ju Borges (jornalista paulista que viveu aqui uns seis meses e fez um blog bacana. Busque nos arquivos os posts da temporada angolana).

Candongueiro (Blog de João Fellet, jornalista que morou aqui em Angola e está fazendo o trajeto Joanesburgo-Cairo sobre rodas).

Caminhos de Angola (Blog da jornalista Hilcelia Falcão, que não mora mais aqui mas continua escrevendo sobre o país).

Birrada (flog de Ailton Cruz, repórter fotográfico alagoano do Jornal de Economia, veículo cujo site eu edito).

Nos links, outros links sobre Angola, e assim funciona a blogosfera.

TO BE CONTINUED

segunda-feira, 6 de abril de 2009

culturangola

Uma das coisas que mais me frustraram nessa minha primeira temporada em Luanda (que se encerra no próximo domingo e será retomada dia 27) foi não ter aproveitado praticamente nada da vida cultural da cidade. Não que haja opções de sobra, mas, por razões fora do meu controle, acabei desprestigiando as poucas iniciativas na área.

Aqui é preciso procurar a cultura, já que a divulgação é muito ruim e os produtores parecem não ter aprendido a abrir espaço na imprensa. Leio os jornais, de todos os espectros políticos, e encontro mais ou menos as mesmas atrações. Aí de repente eu passo na rua e descubro uma série de peças de teatro em cartaz na Liga Africana, mas que não foram divulgadas em lugar nenhum. Fiquei sabendo de uma ou outra exposição e até de uma mostra de filmes soviéticos bem raros, mas a estrutura da cidade dificulta o movimento, e perdi. Superar essas barreiras é a principal meta para a segunda temporada.

Quanto à música, graças às rádios (principal meio de comunicação do país, diga-se de passagem), consegui conhecer algumas coisas interessantes, mesmo que não tanto o quanto gostaria. A melhor coisa que ouvi aqui foi Ruy Mingas, músico na ativa desde os anos 60 que tem lindas canções cantadas em dialetos locais, principalmente o kimbundu. Sou leigo para falar disso, mas a sonoridade me lembra em tom e paixão os boleros latinos, mas a especificidade do idioma garante que estamos diante de algo reapropriado. Vez ou outra, as canções dele parecem chegar ao cântico, com uma dimensão religiosa que não sei se existe nas letras. Os vídeos do Youtube não batem muito com essa descrição (escutei outras coisas dele bem melhores), mas, mesmo assim, tentem chegar a uma conclusão:



Também direcionado à música tradicional angolana, o Grupo Kituxi, surgido nos anos 70, também continua na estrada, tendo lançado recentemente o disco Kufikissa. Escutei o álbum, e ainda tenho alguma dificuldade em lembrar das canções isoladamente. O disco todo parece mais uma partitura única com variações, como uma trilha de cinema, em vez da separação clara dos discos "ocidentais" - severas aspas essas, aliás. O disco é mais um conceito só do que uma coleção de produtos individuais. Mas, bem bom.

Do lado mais pop da cerca, chama a atenção o divertidíssimo som de Yannick e Afromen, rapper e sua banda que andam estourados por aqui. Logo que cheguei fizeram um show num estádio, e os discos vendem que nem água. Yannick fala de problemas cotidianos de Angola e traz o rap para especificações locais, criando grande poder de identificação. Não é só música-denúncia, graças a Deus. Yannick tem um senso de humor incrível, digno dos papas do gênero em qualquer lugar do mundo. Estranhamente, todos os vídeos dele não estão mais disponíveis no YouTube.

Numa levada mais romântica e r&b, Anselmo Ralph aposta em canções jograis, dialogadas, cheias de personagens. A melhor de todas é a seguinte, O Papá Voltará, em que um pai tenta convencer a filha pequena a fazer a cabeça da mãe para o aceitar de volta. Tocou muito aqui no dia dos pais, que aqui não é comemorado em agosto, mas no dia de São José.



O mais popular e respeitado dos artistas angolanos, no entanto, é Paulo Flores, cantor que mistura a música tradicional angolana com influências de "bardos" americanos como Paul Simon ou Bruce Springsteen. O som pode passar distante, mas a vontade de fazer letras politizadas e uma sensibilidade contemporânea fazem com que Flores ocupe a mesma posição que os artistas ocuparam nos Estados Unidos. No Brasil, ele seria um Herbert Vianna: antenado mas não exatamente combativo, e inequivocadamente moderno, sem ser revolucionário.

Flores foi o único artista angolano que vi ao vivo, num pocket show bem intimista no Elinga Teatro. O cantor deixou todo mundo sentar no chão do palco, numa apresentação bem informal. Fiquei logo em frente, sentado, enquanto ele tocava menos de dez músicas. A plateia local cantou todas as canções junto, emocionada. Uma amostra do som de Flores, com Morelembaum fazendo uma ponta e Caymmi lembrado:



Música angolana para download: http://musicadeangola.blogspot.com/

terça-feira, 31 de março de 2009

O recordista

Tem coisa que só acontece em Angola. Por exemplo: leio na Angop que no sábado morreu o homem mais velho do município de Londuimbali, a 90 quilômetros da cidade do Huambo. O camponês Abel Francisco, de acordo com familiares, teria 150 anos, já que nasceu em 17 de abril de 1859.

A Angop talvez não tenha notado, mas se a data for verdadeira, Abel seria a pessoa mais velha de todo o mundo em todos os tempos, e não apenas o idoso mais velho de Londuimbali. A pessoa mais velha a obter reconhecimento oficial da idade foi a francesa Jeanne Calment, que morreu em 1997 e chegou a conhecer Van Gogh. Ela chegou aos 122. Abel, seria, então 28 anos mais velho do que a recordista, um Usain Bolt da longevidade.

domingo, 29 de março de 2009

Um ou outro lugar para comer

A última semana aqui em Angola foi dominada por notícias de investimentos de multinacionais no país, como as portuguesas Sumol e Oni, os Correios da Tuga, e, principalmente, a Phillips – tudo na casa dos milhões ou bilhões de dólares. Brasileiros não precisam de tanto dinheiro para ter retorno garantido por aqui. Basta abrir um restaurante de comida brazuca, coisa que não há em Luanda mesmo com uma população estimada de 30 mil patrícios.

Luanda, ao todo, tem cinco milhões de habitantes, mas a variedade gastronômica deve ser pouco maior que a de Itabuna, ou, com sorte, igual a de Feira de Santana. Depois de uma breve temporada nas Ingombotas, estou morando no bairro do Alvalade, que concentra boa parte das representações diplomáticas estrangeiras. Fico pensando: o que toda essa gente come? Tudo bem que eles devem ter seus próprios cozinheiros e comidas importadas, mas e quando dá vontade de comer fora? E o monte de imigrantes dessa babel?

Nesse pouco tempo aqui, o melhor restaurante que conheci foi o Chez Wou, um chinês na Ilha, cuja área vai até a praia. A decoração é típica, mas não excessiva, mesmo que por fora o prédio lembre aqueles castelos medievais de filmes de kung fu. As garçonetes são todas chinesas, de Guangdong, e só arranham o português. Vez ou outra falam com os clientes em Cantonês, mas lembram imediatamente que não estamos entendendo nada. Comi carne de vaca com molho de ostras e lagosta, excelentes, e a conta veio bem mais barata do que poderíamos esperar. Com bebida e rolinhos, pouco mais de 30 dólares por pessoa.

Outro bom jantar foi no Broadway, um indiano tão confiante na própria breguice que o ambiente acaba funcionando. O restaurante imita a fachada de um teatro novaiorquino, e fica ao lado da Andy's, a principal loja de departamentos da cidade, que também tem arquitetura inspirada na Big Apple. O dono dos dois estabelecimentos, Andy, é uma figura.

Indiano, chegou em Angola há 30 anos sem um dólar no bolso, a caminho do antigo Zaire. A escala demorou três dias e ele teve de trabalhar para comer. Em pouco tempo virou dono do negócio, e hoje é dono de empresas na Índia e em Hong Kong, onde passa três quartos do ano: nos três meses restantes ele fica aqui, em Luanda. Apesar da notória riqueza, Andy recebe todos os clientes do restaurante e puxa assunto, bem falante. Em inglês, claro: mesmo com tanto tempo no país, ele mal fala português, assim como todos os garçons, também indianos. Andy merece um perfilzão, feito por João Moreira Salles.

Quando fui ao Broadway, a decoração ainda era típica do dia dos namorados (14 de fevereiro): almofadas vermelhas, cortinas estampadas com motivos românticos, como cupidos, e claro, um luminoso de coração na entrada, tirado diretamente dos cenários de Moulin Rouge. A decoração de Natal teve até boneco de neve, mesmo com 35 graus na rua. O ambiente pode ser excessivo, mas a comida é no ponto: jantei um carneiro ao curry sensacional, forte, mas não exageradamente picante. Trinta e poucos dólares por pessoa a conta.

Mais informal e descontraído é o árabe Al Dar, onde pode-se apenas lanchar ou almoçar de verdade. Em geral vou ao Al Dar no fim de tarde, comer um hamburger de chili com Guaraná Antarctica (um dos raros locais que têm guaraná). O shwarma é bom, mas os pratos mais tipicamente árabes, como esfiha e quibe, são apenas normais, inferiores aos Habib's de shopping. A porção do quibe, aliás, é bem cara: quatro bolinhos pequenos saem por 1,2 mil kwanza (17 dólares), contra 600 kwanza do hamburger que eu gosto. Os garçons são angolanos, mas na cozinha só há árabes, com cara de árabes, que conversam o tempo todo e riem alto, em árabe. Volto à gastronomia depois, quando conhecer outros lugares que não sejam o atroz Panela de Barro, opção a quilo mais perto daqui de casa...

terça-feira, 24 de março de 2009

FAIL?

>>> Começo a desconfiar da vida útil desse blog. Não por falta de coisas a ver e dizer sobre a vida de gringo em Angola, mas por uma rotina que não deixa muito espaço para essa observação, que considero primordial para a vida de estrangeiro. Sinto-me novamente como o turista acidental do filme, preso numa cadeia de ambientes com ar refrigerado: casa / carro / trabalho / carro / casa.

>>> Não era exatamente isso o que eu queria, mas talvez seja só banzo, coisa totalmente normal, colegas me dizem. Pensando bem, minha rotina nos últimos meses em Salvador não era muito diferente, com a ressalva que eu andava de buzu e tinha uma liberdade de movimentos na cidade proporcionada pelo meu próprio conhecimento de habitante, não nativo, mas radicado há algum tempo ali.

>>> Cinema me faz muita falta aqui. No último sábado, dei um extra pro motorista (que normalmente não trabalha fim de semana) e fui ao Bellas Shopping - muito longe - ver Milk. Bom filme. No caminho, mesmo dentro do ar, um momento interessante: o motô resolveu cortar caminho na Estrada da Samba passando por dentro de um bairro chamado Coreia. Sujeira e favela daqui têm dimensão assustadora para estrangeiros, mas não deixa de ser reconfortante passar por um pouco de vida real nessa cidade. Por outro lado, que frivolidade a minha: todo mundo merece esgoto tratado e ruas em boas condições.

>>> Coreia me lembrou o nome de algumas ruas de Salvador próximas à Estação Pirajá: rua do Afeganistão, da Indonésia, da Palestina e do Camboja, perfeita oposição às vias europeias do Comércio. Saudade de trabalhar na rua.

>>> Salvador, tô chegando! Se tudo der certo, embarco 13 de abril para 15 dias de férias. Talvez minha agonia se deva a isso: reencontro com família & amigos, promessas de festa já agendadas (moqueca de feijão na casa de Pamplona & Sombra vai rolar; nova reunião de chegada-despedida no Rio Vermelho; etc)... Ora de começar a pensar nos presentes, no cds de Tarrachinha de Nilson & Larissa, nos bubus para Camilla.

>>> No próximo post prometo evitar esse tom de descarrego. Não gosto de blogs-divã, e por isso vou manter vocês livres dessa chatice. Arrumo algo legal da cidade para mostrar aqui da próxima vez.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Mussulo

No último domingo fui a outra praia famosa de Angola, a Ilha do Mussulo. A 25 minutos de lancha da costa da capital, a ilha é mais um anteparo do continente em relação ao mar aberto. Do outro lado do Mussulo, sim, há Oceano Atlântico de verdade.

Com um grupo de colegas brasileiros, partimos bem cedo para não enfrentar engarrafamento, e na partida do barco encontramos mais colegas - pegamos o barco junto pelas almas calmas desse falso mar entre continente e ilha. Na prática, uma gigante lagoa de água salgada.

No local onde as lanchas aportam, um único bar, caríssimo, onde a cerveja bate nos dez dólares. O estabelecimento ocupa o melhor trecho de praia, e a areia é ocupada por guarda-sóis e espreguiçadores acolchoados - pagamento à parte, claro. E claro que o bar estava lotados de exilados branquelos e vermelhos, todos portugueses, aparentemente. (Trilha péssima, "You're Beautiful").

Ao lado desse trecho, algumas barraquinhas desocupadas, e a falsa informação de que a estadia ali era free. Mas logo o dono da barraca aparece e nos expulsa, já que havia combinado o aluguel a outro inquilino, que chega à praia na sua lancha particular.

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Lá vamos nós andando novamente, em direção ao outro lado, depois do bar chique. Encontramos abrigo em dois coqueiros anões, em frente a uma casa abandonada. Casa, vírgula. O local era um projeto de resort abortado, de donos chineses. Dois angolanos tomam conta do imóvel, e nos ajudam a comprar cerveja.

O almoço encomendamos de uma senhora nativa - arroz, batata frita e frango para
nove pessoas. Frango de quintal, criado solto. Quando fomos pagar a senhora (5,400 kwanza, uns 70 dólares, por aí), as irmãs da cozinheira - nativas também da mesma comunidade, de casas espalhadas sob a areia - conversavam sentadas no chão, embaixo de uma árvore, no meio da tarde, como se não houvesse amanhã. Pura paz.

Que vai logo embora tão logo entramos no barco: um grupo de libaneses nos acompanha em alta e divertida cantoria. Um colega português/angolano, intrigado, pergunta o que é o Habib que ouvimos toda hora. "Eu te amo". Pois é, no Brasil a gente mata a fome no Eu Te Amo's.

quarta-feira, 4 de março de 2009

É (foi) carnaval

Na prática, o carnaval aqui em Luanda dura apenas um dia, e consiste em desfiles de blocos em uma das principais avenidas da cidade, a Marginal. Depois de pequenos desfiles no domingo e na segunda, a rua é completamente interditada na terça para a passagem dos grupos principais, vindos de todo o país, somente para dançar num pequeno trecho de pista e mostrar animação frente aos políticos e redes de televisão.

Do mesmo jeito que em Salvador os trios guardam suas apostas de hit para os locais onde há cobertura televisiva, aqui é nítida a influência da presença das câmeras na animação. Os blocos são bonitos, mas também são "para inglês ver".

A música é quase um acidente. Não há performances ao vivo, nem tampouco trios elétricos. Cada grupo deixa o cd com suas músicas típicas na mesa de som, e elas são reproduzidas na avenida por um sistema de rádio-poste.

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Fotos de Manuela Cavadas, ex-colega de jornal e agora colega de apê

A população da cidade não entra na avenida, mas não há a presença selvagem da corda, nem a sensação de competição social entre bloco e pipoca, como em Salvador. As duas partes são a mesma coisa. Em ambas, pode-se respirar à vontade, já que a festa não atrai tanta gente. Enche, mas não lota.

Apesar da dimensão reduzida da folia, os angolanos que decidem aparecer ir à Marginal costumam usar fantasias - e mais uma vez tenho a referência de antigos carnavais brasileiros. Vale tudo. Desde máscaras compradas em armarinho até opções mais elaboradas.

Um colega brasileiro observou a grande quantidade de pessoas fantasiadas de feridos, com braços falsamente engessados, ou curativos no corpo todo. Alguns mais detalhistas incluíam cicatrizes na barriga, e facas enterradas na cabeça. Sinais de uma guerra civil não muito distante no tempo, com seus feridos e mutilados.

No dia de carnaval, por aqui, pode tudo: em dias normais é proibido andar sem camisa pela cidade, mas durante a folia um angolano sai andando completamente nu e a polícia não faz nada. No carnaval pode.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Shopear

Tenho falado isso para amigos constantemente: Luanda é Salvador 50 anos antes. Claro que a frase é redutora, mas há alguns aspectos que confirmam essa ideia para mim. Por exemplo: só há um shopping center na cidade, de um andar só, e fica bem longe. Aqui no centro da cidade, o comércio é parecido com o que há na Avenida Sete e na Carlos Gomes, em Salvador - todo em lojas no térreo de prédios, com muitos ambulantes. Algumas dessas lojas evocam a Rua Chile antiga, como as boutiques de moda e as lojas de decoração. Uma delas se chama charmosamente "Casa Paris" - um "colosso", diria algum personagem de Jorge Amado.

Já o Belas Shopping é genérico como qualquer shopping. Fica distante da cidade velha o suficiente para não ter qualquer identidade, e abriga uma fauna de consumidores em grande parte estrangeiros, que fazem de suas instalações um country club do exílio.

A praça de alimentação fica logo na entrada principal, e tem pouca variação. Um grande restaurante a quilo com um número limitado de pratos. Quando fui lá comi feijão salgado com um peixe que não me lembro o nome, bem bom. Há também uma das duas sedes do Bob's. Eu fui na outra, na Ilha de Luanda, e é realmente o fast food mais lento que já vi. Os sanduíches parecem imitação do brasileiro, e não algo que segue um padrão - até o pão é diferente. Na praça de alimentação também há o único japonês de Angola (amigos veementemente me instaram a evitar) e um chinês, além de outros fast foods menores. O American Hot Dog tem um cachorro quente muito bom, ainda que caro.

Seguindo mais adiante, há o cinema, uma banca de revista e várias lojas variadas, mas não há âncoras por aqui. Comprei por pouco mais de dez dólares uma caixa de Sal de Eno, mas ainda não achei Magnésia Bisurada, a única coisa que cura minha azia de verdade.



O que mais digno de nota? Um estande de milk shake e casquinha do Bob's, bem mais rápido, uma livraria Nobel, fraquíssima, e o supermercado Shoprite, grande como o Extra. Lá tem tudo, e as coisas são bem mais baratas que no Jumbo, o supermercado que fica perto de casa. O Shoprite é o lugar menos country club do shopping, onde há mais angolanos, e onde se sente uma diferença de costumes mais acentuada. Um casal amigo se beijou na fila do caixa e causou espécie: dois senhores começaram a cochichar e encará-los, e ainda recriminou a caixa por dar conversa a "esses brasileiros".

Se a ausência de shoppings é o medidor do atraso de Luanda, eles estão tentando tirar a distância em padrão Kubitschek: pelo menos três centros comerciais devem ser inaugurados em breve, e um deles aqui perto de casa, num complexo que também inclui prédios empresariais, residenciais e hotel cinco estrelas, no mesmo estilo more-e-trabalhe-no-mesmo-lugar que tem se espalhado em Salvador. A parte boa é que o shopping deve ter quatro salas de cinema, o que me libera de viajar mais de uma hora para ficar atualizado dos últimos lançamentos.

Tenho ido ao cinema daqui, e é bem bom, melhor que os multiplexes de Salvador. O dono é Aquiles Mônaco, proprietário do Multiplex Iguatemi, e dos cinemas do Barra, Lapa, Ponto Alto, e sócio do UCI Aeroclube. Não deixa de ser cômico que as melhores poltronas e instalações estejam aqui, do outro lado do oceano. A programação, óbvio, não pode ser tão atualizada quanto a de Salvador, mas filmes de "prestígio" como Operação valquíria, Austrália, e Dúvida estrearam aqui antes. O Curioso Caso de Benjamin Button e Revolutionary Road estrearam junto com o lançamento brasileiro.Quanto à fama de que os angolanos ficam conversando no cinema, até agora não vi nada pior do que vejo em Salvador, mas isso talvez se deva ao fato de que não tenho ido assistir aos filmes mais populares.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Infra

Estou morando aqui em Angola há exatamente um mês. Peguei o voo da TAAG no Rio de Janeiro no dia 13 de janeiro e, ao contrário do que aconteceu com outros colegas, cheguei aqui são e salvo, sem nenhuma infeccção intestinal causada pelo rango que eles servem, e minha mala apareceu em menos de uma hora, intacta.

Num balanço desse primeiro mês, tenho de reconhecer que a sensação de bolha é meio que inevitável, ao menos em curto prazo. Fui a alguns lugares muito bons, mas somos de alguma maneira protegidos pela estrutura de acolhimento das empresas que contratam estrangeiros para que nos sintamos em casa, o que é muito bom. Por outro lado, isso sacrifica um pouco a experiência de "viver fora" de verdade, entre as pessoas.

Mas provavelmente estou sendo um pouco ingênuo em querer chegar a outro lugar e me misturar a ponto de me tornar indistinto dos locais. A melhor coisa é aceitar a condição de estrangeiro e viver assim do melhor jeito possível, e acho que estou conseguindo fazer isso. Só não quero ser um "turista acidental".

***

Desde que cheguei aqui, a última semana foi a mais caótica na minha relação com a cidade. Com a volta às aulas, finalmente percebi como isso aqui pode realmente parar de funcionar devido ao trânsito. Luanda tem um 5 milhões de habitantes, mas o centro daqui tem um tamanho proporcional a uma cidade de 500 mil habitantes.

Como o sistema de transporte coletivo está suspenso e todo mundo se desloca por meio das candongas (as peruas locais, no regime de salve-se quem puder, sem tarifas fixas e gente amontoada até que não caiba mais ninguém), o trânsito dá um nó nas vias principais do centro, todas estreitas, já que isso aqui é uma cidade colonial. E, claro, como não há táxis ou qualquer outra alternativa, os gringos e abastados todos andam de carro, o que faz com que o número de veículos rodando na cidade seja muito maior que o suportado.

Resultado: para quem mora em Luanda Sul e precisa se deslocar para o Centro para trabalhar, pode contar três horas perdidas por dia no congestionamento. Quem tem de se deslocar dentro do centro, como eu, perde menos tempo porque encontra trânsito livre à noite, mas não consegue se livrar de congestionamentos de até um hora para trechos percorríveis em 10 minutos durante o dia. Foi mais ou menos assim para mim essa semana: engarrafamento todo dia.

Como se esse estresse não fosse suficiente, as obras na cidade (inúmeras - Luanda é um canteiro) frequentemente derrubam água e energia elétrica, e vivemos à base do gerador e da bomba. Quando a gasolina do gerador acaba... Pelo menos há o consolo de que a cidade vai melhorar com tudo isso. Nesse um mês vi pequenas obras começarem e serem terminadas em ritmo relâmpago, e cada pequena intervenção dessas tem reflexo imediato da melhoria das condições de vida por aqui.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

km 30

No domingo anterior a este último, fomos a uma bela praia ao sul de Luanda, tão pouco badalada que seu nome é apenas Praia do km30. Não há restaurantes, água, geladeira, bares, energia, nada. O esquema é traga de casa: isopor, comida, cerveja. O máximo de luxo que se pode encontrar no local são as barraquinhas de palha construídas pelos moradores da comuna próxima, que servem como abrigo de todo o material que a gente compra no supermercado, e, eventualmente bom retiro para uma soneca.

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Tranquilidade é o que não falta: a não ser que o vizinho da barraca ao lado resolva encher o saco no funk (brasileiros...), a estadia é a melhor possível. A água não enfrenta a intensidade do Oceano Atlântico e é das mais calmas, devido ao bloqueio da ilha de Mussulo, que fica logo em frente e recebe todas as ondas. No km 30 a água é parada como a de um lago. A areia é lamacenta, já que a vegetação é de mangue, e os siris fazem a festa. Vida boa!

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Chicala e Elinga

No último sábado, à noite, fui a Chicala, no sul da Ilha de Luanda. A área é praticamente continente, já que a área que a separava da cidade já era bem estreita e foi aterrada. O chão ainda é de barro. Fui lá jantar numas barracas-restaurante - frequentadas sobretudo por locais, com um ou outro português - com a Juliana Borges (paulistana, trabalha aqui no Jornal de Economia) e Kota 50, um veterano fotógrafo mwangolé do jornal, no mercado desde que Angola era colônia.

Pedimos frutos do mar, que demoraram bastante. Primeiro veio o cachucho, um peixe delicioso, servido inteiro e assado, com molho de cebola, aipim e batata frita. Três pessoas comem bem, e já estávamos cheios quando chegou o chuco, uma lula local típica, servida frita com cebola e tomate, cortada em pedaços. O chuco é todo branco, e quem vê, até bem de perto, tem a impressão de que aquilo tudo é polpa de coco seco. Muito bom, e a conta veio muito barata. Mas nem precisei pagar, já que Kota 50 foi quem convidou, e os angolanos são bem formais em relação a isso. Convidou, pagou. Questão de hospitalidade.

Depois fomos ao Elinga, um prédio colonial bem interessante que será demolido para a construção de um empreendimento qualquer. A perda não será somente arquitetônica: no Elinga funciona um teatro bem bom (onde rolam peças e shows), e no salão interior há sempre exposições de arte. Na parte ao ar livre, um bar e dj. O local é frequentado pela galera "alternativa" da cidade, e, graças a Deus, isso não significa gente poser e afetada, como nessas festinhas de Salvador. Também não há bichos-grilos - apenas pessoas interessadas em curtir um lugar menos genérico que as casas noturnas da cidade, direcionadas ao público estrangeiro.

O Elinga estava bem cheio, já que o prazo para desocupação do prédio já se encerrava na segunda (mas as festas continuarão até o dia 15, fui informado por Lino, artista plástico filho de Kota 50 que esteve no Brasil recentemente). O momento mais bacana da noite foi quando o DJ pôs um remix de Billie Jean, de Michael Jackson, fortemente baseado na percussão. Depois que Caetano transformou essa música em bossa nova, os angolanos fizem dela um kuduro.

Fotos do Elinga no blog de Juliana Borges.

sábado, 31 de janeiro de 2009

Ilha de Luanda

A Ilha de Luanda é uma faixa longa e estreita de terra paralela ao continente (a ligação com a capital é um pequeno aterro, na verdade), e tem a praia mais próxima para quem mora na parte velha da cidade. A água chega geladíssima, não importa o quão escaldante esteja o sol.




Foto: Fesa.org.br

Como a ilha só tem praticamente uma rua, todos os bares dão direto para a areia, o que ajudaria a criar uma segregação entre locais e estrangeiros. Apesar da sensação incômoda de entrada de serviço, não há por parte dos bares qualquer tentativa de exclusão. Os angolanos entram nas faixas dos bares tranquilamente, e se misturam com os gringos até torná-los o que são de verdade: minoria.

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Não me parece haver nenhuma tensão implícita nesse convívio: os angolanos são muito agradáveis, mesmo com os tugas (portugueses), e a ilha é um dos raros lugares onde se pode tirar fotos das pessoas sem muita resistência - o único risco é um pedido amigável de gasosa por uma boa pose, mas, na maioria dos casos, eles pedem que se volte a praia com uma cópia impressa.



Foto: angola.linda.googlepages.com

Só uma das costas da ilha é própria para o banho. A faixa de água que dá separa a ilha do continente, a Baía de Luanda, é muito poluída. Locais e colegas brasileiros garantem: encostou os pés ali, pegou cólera. Apesar disso, a Baía forma o principal cartão postal da cidade, moldura dos prédios que se erguem na avenida Marginal, alguns coloniais e outros com aquela cara de "moderno nos anos 50", com charme de antigo arranha-céu.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Na Feira do Benfica

Como durante a semana só há trabalho e as novidades vêm todas juntas no fim de semana, seguimos com as pílulas de domingo. Domingo de manhã, no caso, quando fui à Feira de Artesanato do Benfica.

O caminho me impressionou mais que o destino final: o Benfica fica no sul da cidade, onde hoje se desenvolve a nova Luanda. Mansões, condomínios, um shopping, grandes obras - enfim, a imponente cidade moderna, construída na velocidade que exige um processo de reerguimento do país.

Minha "impressão" não é exatamente positiva; é só mais um susto de semelhança com a Salvador despersonalizada que começa no Iguatemi, passa pela nova Paralela e termina no município vizinho de Lauro de Freitas.

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Na Feirinha, depois de um grande engarrafamento, pintura naïf não exatamente inspirada, certamente alguns níveis abaixo da encontrada no Pelourinho. Mas mal percebi e comprei duas telas, pintadas com areia colorida, que me saíram por US$ 40.

Meus colegas me disseram que paguei um bom preço, mas foi uma decisão precipitada. A feira é dividida em dois setores: essa área ao ar livre, onde estão as pinturas, e as barracas cobertas (precariamente). É lá que estão belíssimas esculturas feitas de madeira e ébano, de vários tamanhos e estilos - e não fotografáveis.

A mais bonita que vi era de um pescador, com uns 50 cm de altura, cheia de detalhes, que me trouxe mais uma vez o eco da Bahia. A estatueta podia ser um personagem de Jorge Amado. Ou talvez seja tudo um pré-banzo.

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Nessa área coberta, tudo era muito caro também, mas dava para ter levado uma lembrancinha se eu não tivesse sido imprudente e comprado as telas: só estava com US$ 50 no bolso e os US$ 10 restantes foram para um bubu que comprei no caminho. O bubu não caiu bem em mim. Fiquei gordo. Ao fundo, no foto abaixo, a praia da Ilha de Luanda, assunto do próximo post.

PS: As fotos estão sendo exibidas? Estou usando o PhotoBucket. Acesso o blog de dois computadores diferentes e só em um deles as fotos abrem. O tilt é do pc ou é coletivo?

domingo, 25 de janeiro de 2009

Bebidas e gasosas

A piada é pronta: um grupo de 18 brasileiros que trabalha com comunicação (jornalismo, publicidade, fotografia) aqui em Luanda mora em um casarão apelidado de "Bambi". O nome não tem nada a ver com a sexualidade de ninguém. É que os brasileiros pioneiros, quando chegaram aqui no finalzinho da Guerra Civil, se hospedaram inicialmente no Hotel Bambi, que hoje não existe mais. O casarão em que se instalaram em seguida herdou a marca: virou sinônimo de residência brazuca.

Além desta casa, há mais três ou quatro residências da galera de comunicação que veio trabalhar aqui - na maioria baianos, pernambucanos e paulistas -, mas o Bambi ainda é o principal ponto de encontro, e o maior. Ontem fui pela primeira vez lá e conheci muita gente, incluindo a aniversariante, Paula (acho que é de Pernambuco).

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Mesmo com tanto brasileiro junto, ver Skol, Brahma ou Antarctica é muito difícil. As cervejas mais comuns são Heineken e Carlsberg, além das portuguesas Superbock e Cristal. As cervejarias nacionais também são fáceis de encontrar: Eka e Cuca (com seu inacreditável vidro de xarope) dominam o mercado.

Já o ramo dos refrigerantes é dominado pela Coca-Cola, com leves alterações locais. A latinha tem 330 ml, em vez dos 350 ml do Brasil. Isso torna a garrafa retornável mais em conta: é mais barata e tem 350 ml, contra 290 ml da especificação brasileira. Não sei se há em outros países, mas é bem comum aqui encontrar Fanta Abacaxi, ou Ananás, como preferem os locais.

Aliás, os angolanos não falam refrigerante, e sim "gasosa". A palavra também é sinônimo de corrupção. Toda vez que é preciso pagar qualquer tipo de propina, seja para se livrar de uma blitz ou guardar o carro próximo a um bar, a parte que recebe o dinheiro pede um agrado para a gasosa.

No caso da polícia, o refrigerante pode custar até 100 dólares, como testemunhei hoje. Ia de carona até a feira de artesanato do Benfica (detalhes no próximo post) quando os colegas brasileiros viram o carro de um dos residentes do Bambi parado na direção contrária. Se quando se está com a razao já é difícil negociar, quando se está errado é impossível. O motorista esqueceu os documentos em casa e só conseguiu se livrar da blitz embolsando 8 mil kwanzas (1 dólar = 74 kwanzas) para a gasosa do policial.

sábado, 24 de janeiro de 2009

No Roque Santeiro

Na manhã deste sábado (Luanda fica quatro horas à frente do Brasil) fui com dois colegas brasileiros e um angolano ao Mercado de Roque Santeiro, que tem a fama de ser o maior do mundo: são 500 campos de futebol numa área de um quilômetro de comprimento por 500 metros de largura, que abriga 5 mil vendedores. A quantidade de dinheiro movimentado na feira diariamente chega a US$ 10 milhões. EDITADO: pensando bem, o número parece exagerado. Fonte.




A infra é mínima: em todas as "lojas" o chão é o barro nu e o máximo de cobertura são gastas telhas de zinco, ou, mais comumente, lona. Obviamente, vende-se de tudo: logo na chegada, passamos por gêneros alimentícios, de vegetais comercializados diretamente sobre panos, no chão, a enlatados, caldo de carne, maionese e alimentos prontos, principalmente banana da terra na grelha.

Mais pra dentro, uma muito variada feira de tecidos com motivos africanos, que são chamados de "macaca", a maioria importados da Costa do Marfim. Depois chegam as roupas - bermudas, cuecas, calças, saias, blusas e calçados - do tênis gangsta ao all-star. O bacana são os bubus (as batas tradicionais, feitas com as macacas), mas o mais surpreendente é encontrar vestidos de noite e ternos completos.

Os colegas brasileiros decidem comprar bermudas, e param num rasta que tem roupas com motivos do exército, camufladas, e camisetas de Bob Marley. Bate o olho em um dos colegas e pergunta se ele é baiano, "da terra de Gilberto Gil". Com uma bata que vai da cabeça aos pés, óculos escuros e chinelo de couro, fuma um senhor cigarro de maconha, tão grosso quanto um charuto cubano.

Eles não levaram a bermuda (o rasta era careiro, e tudo aqui é na base da pechincha), e decidiram ver celulares: já estávamos na seção de informática, toda coberta de zinco, com teto baixo e extremamente apertada. Um forno microondas. Depois de muita conversa, um dos colegas leva um celular Nokia de última geração, vendido no Brasil a R$ 1,8 mil. Ele pagou US$ 120 - só conseguiu regatear US$ 10. Nem precisa comentar a variedade nesta seção eletrônica. Pode-se comprar desde pilhas a um notebook VAIO.




Daí chegamos à parte mais surpreendente. Se o Roque Santeiro é um grande shopping a céu aberto, não poderia faltar o cinema. O complexo tem duas salas, erguidas com madeira e restos de lona, e com capacidade para umas 50 pessoas cada. Em cartaz, Sete Vidas, com Will Smith, exibido em uma tv de 29 polegadas colocada numa mesa alta. O barracão é adequadamente escuro e os espectadores veem o filme em bancos de madeira sem encosto.

Já havia sido advertido de que, sem segurança e um apoio oficial, é impossível tirar fotos no mercado. Há casos de agressão a turistas e estrangeiros que tentaram registrar o local, e acabei sem imagens do Cine Roque. Apesar disso, o rótulo de antro da criminalidade me pareceu totalmente falso. Ao contrário do que acontece na Feira de São Joaquim, em Salvador, não fui abordado por nenhum espertinho querendo dar uma de cicerone, e nenhum punguista tentou me levar nada, nem a máquina que se destacava no bolso da bermuda.

No caminho de volta, para não passar em branco, fiz minhas compras. Uma escovinha de engraxar sapato, por 25 Kwanzas (1 dólar vale 74 Kwanzas) e um DVD de Desgraças da Vida, um dos raros filmes angolanos à venda entre blockbusters internacionais, thrillers de John Woo (todo o "catálogo" consiste em obras dele, como Bala na Cabeça e The Killer) e pornôs de todo o mundo.

Angola

Sem Kwanzas no bolso, acabei pagando cinco dólares pelo DVD de Desgraças da Vida (a sinopse da capa é sucinta: "Retrata a história de crianças acusadas de feitiçaria"), que custava somente 100 Kwanzas. Dei uma de turista e não pedi troco.

Angola Drops



Meu nome é Saymon Nascimento, 23 anos, itabunense radicado em Salvador, e desde a quarta-feira da semana passada, residente em Luanda, Angola. Vim trabalhar aqui com jornalismo digital, aŕea em que tenho experiência há dois anos. Vou registrar nesse espaço, sempre que possível, impressões sobre a vida do outro lado do Oceano Atlântico. Perdoem, antecipadamente, a qualidade das fotos: não apenas sou um péssimo fotógrafo, como há muita desconfiança com quem anda com máquina, e somos veemente desaconselhados a tirar fotos da cidade. Mas vou dar algum um jeito de ilustrar esse blog. Bem-vindos.

P.S.: Não sou blogueiro de primeira viagem. Já há algum tempo mantenho o Esperando Godard, sobre cinema. Apareçam lá também.